Trabalho em turnos: o limite do corpo e da mente

As condições de trabalho e jornadas de turnos diante da realidade de uma pandemia afeta consideravelmente a vida dos trabalhadores da Petrobrás, que sofrem com a política de redução de efetivos.

O foco do debate é saber como o modelo de trabalho em turno pode afetar a saúde de trabalhadores de uma empresa como a Petrobrás que possui refinarias, terminais, plataformas, termelétricas e um centro de pesquisa, na atual conjuntura. A pesquisadora do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH), Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Liliane Teixeira fala sobre tema. Como a Petrobrás possui diversos ativos e distintos ambientes laborais a discussão tem que ser cuidadosa, pois o trabalho em turnos pode afetar a saúde dos trabalhadores de várias maneiras: “Trabalhar em turnos não é fácil. O trabalhador precisa se organizar. E não é apenas a organização dos seus horários, é necessária a organização de sua vida. Toda a família precisa se organizar para que o trabalhador ou trabalhadora possa ir trabalhar sem se preocupar e quando voltar possa descansar tranquilamente. Mas sabemos que isso não acontece. E que o trabalhador muitas vezes inicia o turno preocupado com questões familiares e econômicas, e quando sai vai resolver problemas” – explica.

Segundo uma reportagem publicada na BBC Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o trabalho noturno é uma das prováveis causas de câncer, devido à ruptura do ritmo circadiano – período de aproximadamente 24 horas em que se baseia o ciclo biológico.

Liliane Teixeira faz uma comparação entre trabalhadores em jornada de turno ou administrativa: “Fisiologicamente, não estamos preparados para trabalhar no turno da noite. Precisamos de muito tempo para que nosso organismo retorne ao seu habitual. Muitos trabalhadores em turnos acham que os níveis de sua sonolência são normais, mas quando comparamos com trabalhadores que não trabalham em turnos verificamos que a sonolência do trabalhador em turnos é sempre maior. Também é importante destacar que com o passar dos anos, é mais difícil dormirmos em horários não usuais e a qualidade do sono reduz drasticamente. Assim como, o risco de doenças cardíacas, gástricas, síndrome metabólica e câncer aumentam, pois nosso organismo deveria estar descansando à noite e se recompondo para um novo dia” – relata a partir de suas pesquisas.

Quem encara essa realidade dentro do sistema Petrobrás lida ainda com a inversão de turno como é o caso de João Paulo Nascimento, diretor do Sindipetro-RJ e trabalhador do TABG. “Existe essa questão da inversão de horários, você cumpre uma jornada de 19h às 7h, descansa 24h, e quando volta faz de 7h às 19h” – conta Nascimento.

Fadiga afeta execução de tarefas complexas

Liliane cita como o cansaço pode deixar o trabalhador mais suscetível aos acidentes de trabalho por conta da fadiga acumulada. A situação fica mais evidente em áreas nas quais ocorra exposição a produtos químicos e ruídos excessivos.

“A complexidade das tarefas também é outro ponto importante e o trabalhador precisa estar totalmente descansado e alerta para realizar suas tarefas. Isso pode acontecer logo após a folga, mas após alguns dias de trabalho a fadiga aumenta e o alerta diminui, deixando o trabalhador e seus colegas com chance de sofrer acidentes de trabalho que podem afetar os próprios trabalhadores como comunidades inteiras, além dos danos ambientais.

Para os trabalhadores com exposição química e/ou ruído a situação é muito pior. Durante a noite, a assimilação pelo organismo de contaminantes é muito maior, deixando o trabalhador mais vulnerável. Portanto, a utilização correta de EPIs adequados é importantíssimo. O ruído é outro problema, porque a legislação brasileira é muito antiga e calculada para exposição de até 8 horas” – detalha.

Redução do efetivo

Com processo de desmonte da Petrobrás, a redução da força de trabalho prejudica consideravelmente quem trabalha no operacional da empresa, que promove uma drástica redução de efetivo. Menos gente, mais sobrecarga de trabalho.

A redução da força de trabalho e as dobras, expõem o trabalhador por muitas horas consecutivas, e a chance de perda auditiva passa a ser enorme.

Jornada de 12h

A partir de reivindicações da categoria, o Sindipetro-RJ realizou estudos de tabelas de turno e promoveu palestras e debates com especialistas. Nas assembleias setoriais as bases votaram a favor do turno de 12h, considerando o tipo de trabalho desenvolvido e uma tabela que permite menos dias seguidos de trabalho.

Algumas subsidiárias do sistema Petrobrás, como a Transpetro, já adotam o turno de 12h em seus terminais. De início, a medida ameniza um pouco a situação para quem trabalha em turnos. “Avalio que esse turno de 12h é positivo; no máximo agora trabalho quatro dias seguidos. Anteriormente, no turno de 8h, eu trabalhava sete dias seguidos e sentia muito o desgaste” – avalia Nascimento, que é funcionário da Transpetro.

Mas a pesquisadora Liliane Teixeira faz um alerta importante sobre a questão na Petrobrás: “Para finalizar, precisamos pensar no futuro do trabalho em turnos na Petrobrás. A jornada já foi de 6 horas, hoje é de 8 horas e estão discutindo a mudança para turnos de 12 horas. Muitos estudos mostram que a partir de 8 horas o alerta e o desempenho no trabalho reduzem rapidamente, o que, aliado aos fatores acima, pode ser uma bomba relógio. Claro, que fatores econômicos e sociais permeiam a discussão, mas a saúde e a segurança devem estar em primeiro lugar” – concluiu.

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